
Animalesco

(Baseado em uma história de família)
Nada de ruim ou estranho podia ser dito a respeito de Frank Muller. Todos que conheciam o rapaz sabiam ser ele um homem tranquilo, trabalhador e honesto. Até aquele momento, enquanto deixava a igreja, de braços dados com a bela Margarete, agora sua esposa, não havia no passado do jovem uma única mancha, nada que pudesse obscurecer um só segundo dos vinte e seis anos de sua vida. Exceto, é claro, por aquele fatídico dia, quando ainda era apenas um garoto, no qual foi visto rastejando pela mata em plena madrugada e, ao ser despertado pelo pai na manhã seguinte, atacou-o com a ferocidade de um animal selvagem.
Mas o tempo passou e, é verdade, nada daquilo voltara a acontecer nos anos que se seguiram. Aqueles poucos segundos de pavor foram esquecidos por completo. “O menino teve apenas um pesadelo”, afirmara seu velho e sábio avô, agora já entre os mortos.
Frank era agora um jovem bastante saudável e realmente muito bonito: os cabelos castanhos do pai, os olhos azuis da mãe, os braços fortes de quem lida com a terra. A noiva recebera, nos anos anteriores, a fama de ser uma das mulheres mais bonitas da cidade, talvez mesmo da região, uma beleza construída naturalmente: a pele rosada, os olhos azuis e os cabelos loiros finos e macios eram herança da mãe e não traíam a origem alemã. O vestido branco caíra-lhe muito bem. Ninguém mais poderia imaginá-lo em outra pessoa. O marido trocara os habituais suspensórios por um elegante terno negro. Estavam os dois ali, felizes, descendo as escadas, com o sorriso espontâneo estampado em seus lábios. Quem poderia imaginar o que estava prestes a acontecer?
O sol começava a deslizar no horizonte quando os noivos deixaram a igreja, na velha caminhonete verde-musgo, acariciados pela brisa quente de verão que se erguia além da serra.
Frank herdara de seus pais, que agora moravam em um apartamento na cidade, a velha casa de campo na qual passara toda a sua infância. Juntamente com ela, tudo o que a cercava: as plantações, as pastagens, as cabeças de gado, o açude de águas acinzentadas, o matagal alto e as árvores da floresta. Aquele lugar trazia à tona boas recordações, mas também um sentimento estranho e um tanto selvagem de liberdade. Ali, aquela era a esperança de todos, o casal passaria unido os dias mais felizes de suas vidas.
Frank apanhou a noiva nos braços e a carregou para dentro de casa. Sentia-se imponente fazendo aquilo, como um leão carregando sua presa entre os dentes. A garota sorriu, sem se dar conta de que a expressão que surgia no rosto do noivo não era apenas timidez. A porta se fechou. O sol morreu lentamente do lado de fora.
Foi-se a noite, e a manhã surgiu em seus reluzentes raios dourados. E, como era de costume, os parentes e amigos mais íntimos visitaram os noivos para a habitual entrega de presentes e para comemorar e festejar a virgindade perdida.
Não foi o silêncio ou mesmo a ausência de qualquer sinal de vida que perturbou os presentes. O que os assustou foi aquele cheiro, não muito diferente do cheiro do matadouro em época de abate. Tomados de pavor, os homens do grupo puseram abaixo a porta de entrada.
Dentro de casa, o bom e velho cenário habitual: a poltrona marrom, a gigantesca mesa de madeira, as cadeiras de palha, o fogão a lenha. Uma chaleira, já sem qualquer vestígio de água, tostava sobre o que sobrara do fogo. Os visitantes avançaram. O cheiro de sangue se tornou mais forte. A porta do quarto estava destrancada, e bastou um único empurrão para que ela se abrisse, revelando a cena perturbadora.
Cinco pares de olhos vibravam agora sobre cama, onde o jovem agricultor permanecia debruçado sobre o corpo dilacerado da esposa. O ventre da mulher fora completamente aberto, provavelmente a mordidas. O que sobrara dos intestinos agora se espalhava sobre a cama. A face da moça se petrificara em uma expressão atordoante de pavor e dor. O vestido branco permanecia agora coberto de sangue e vísceras.
Os olhos do rapaz se voltaram para os intrusos no mesmo instante em que a porta se abriu. Seu rosto estava coberto de sangue. A boca cheia de dentes mastigava com gosto algo que, a princípio, todos se recusaram a aceitar. E bastou um único passo de um dos homens do grupo para que o rapaz se erguesse sobre a cama, reagindo à aproximação como um animal selvagem defendendo sua caça. Qualquer semelhança entre a coisa sobre a cama e o jovem que descera as escadas da igreja horas antes era mera coincidência. O rosnado grave que ecoou pelo quarto certamente não era humano.
Fim!