A Cidade dos Sonâmbulos
As cavernas mais inferiores não são para a compreensão dos olhos que veem... Grandes buracos são cavados secretamente onde os poros da Terra deveriam bastar, e as coisas que deveriam rastejar aprendem a andar.
(H. P. Lovecraft, o festival)
SOMBRAS
Como nasce uma cidade fantasma?
Iori Fritzen fora um brilhante e respeitado cirurgião, além de um estudioso erudito de história e filosofia. Como médico, sempre se mostrara mais curioso que profissional e, mesmo tendo salvado muitas vidas, sempre o fizera mais por ambições científicas que por bondade propriamente dita. Sempre se mostrara um homem excêntrico, desde muito pequeno. Mas foi apenas por volta dos seus quarenta e cinco anos de idade, quando descobriu as ruínas de uma antiga biblioteca em uma de suas muitas viagens à Anatólia, que Iori Fritzen mostrou os primeiros sinais de demência. Perdia-se, dias a fio, nas leituras de um macabro livro descoberto entre restos de antigos pergaminhos e estantes apodrecidas e corroídas pelo tempo. Foi mais ou menos nessa época que o médico começou a torturar seus pacientes.
O rosto sádico e pálido se mostrava cada vez mais diabólico. Sua face se tornou a encarnação do medo: a testa comprida e alta, os olhos estreitos e cruéis, as orelhas pequenas e pontiagudas, o sorriso frio. Sua silhueta era inconfundível, mesmo a distância, com ombros extremamente altos e retos e um corpo gigantesco, magro e desengonçado, que passava muito dos dois metros de altura.
Caçado no mundo inteiro por seus trabalhos, Iori Fritzen se refugiou em uma centena de países, até que finamente desapareceu do alcance de qualquer autoridade. Suas experiências foram reconhecidas como algumas das mais bárbaras atrocidades já cometidas pelo homem. Fritzen estudava a dor e o medo e sua consequência sobre o mundo humanamente conhecido.
O que foi descoberto ainda é um mistério, mas muitos de seus esboços foram encontrados. O médico demente associava a tortura e a morte a estranhos fenômenos ocorridos com considerável frequência em suas pesquisas. Um pequeno fragmento de um de seus textos foi encontrado em um laboratório abandonado, localizado no que fora uma antiga prisão alemã durante a Segunda Guerra. O local inteiro fedia a medo e morte. Seguem-se as palavras do próprio Fritzen, em uma de suas primeiras anotações:
É real! Durante anos, enfrentei a descrença e o desrespeito de homens sem fé. Mas em breve todos terão de admitir: eu estava certo! Não estamos sós. Há realidades livres do peso da matéria, seres sem corpo ou forma, diferentes de tudo o que nossa mente seria capaz de conceber. Diz o livro dos Mil Nomes Mortos que coisas perigosas habitam o esquecimento. Como compreender os fenômenos ocorridos nos últimos dias? Como explicar os flamejos inesperados de uma lâmpada no momento de um grito agonizante, ou a vibração estranha do ar no instante em que a dor se torna insuportável? Como explicar os objetos que se agitam por si sós no momento de um devaneio convulsivo, ou as sombras que se movem num quarto claro sem que nada aparentemente as provoque? De onde vêm essas sombras? De que mundo profundo ou inferno esquecido saem as vozes que sussurram num cômodo silencioso quando a morte finalmente chega? Há algo além do que os nossos olhos podem ver. Existem presenças abrigadas nas profundezas do esquecimento e que podem ser arrancadas de onde Deus ou o Diabo sabiamente as aprisionou. A dor é a chave; a escuridão, a porta. Como se cada grito fosse a nota musical, a oitava perfeitamente acentuada de uma canção desconhecida. As trevas ganharão vida! A passagem está se abrindo!...
Iori Fritzen desapareceu por muitos anos sem deixar vestígios. Surgiram, então, boatos de que ele se unira a outros homens tão ricos quanto sádicos e, juntos, construíram uma nova religião, um culto de alquimias proibidas e ciências ocultas. Outros boatos diziam algo sobre uma cidade que fora escolhida pelo grupo para abrigar sua fé, uma cidade extremamente agradável, mas que escondia segredos antigos, segredos enterrados sob catacumbas escuras e geladas. Não muito tempo depois, rumores muito mais concretos se propagaram por toda a parte, histórias sobre uma cidade que fora, repentinamente, riscada do mapa. Boatos sobre pessoas desaparecendo misteriosamente em um ponto específico de uma rodovia pouco movimentada, relatos sobre uma cidade habitada por criaturas diabólicas que jamais dormiam e jamais despertavam. Em todos esses boatos, um nome surgia sempre, um nome cochichado entre dentes, como uma maldição. Diziam apenas: “a cidade dos sonâmbulos”.
O JULGAMENTO
A grande sala do tribunal estava abarrotada de pessoas desconhecidas, a grande maioria curiosos, e meia dúzia de repórteres. O juiz atrás da bancada era magro e velho e carregava uma expressão bastante evidente de contínuo enjoo ou náusea na face branca e flácida. Qualquer um que o observasse por mais de cinco segundos arriscaria que ele acordava religiosamente às seis horas da manhã todos os dias apenas para reclamar do entregador de jornais, que odiava festas de aniversário e reuniões familiares aos domingos e que havia no jardim de sua casa uma placa com letras garrafais de “PROIBIDO PISAR NA GRAMA!”. Os jurados eram diferentes. Todos os setes tinham um quê de tolerância: uma dona de casa jovem e loira, um advogado negro enfiado em um terno marrom-escuro, um homem caucasiano de trinta anos de idade que parecia o dono de alguma livraria, uma velha costureira, o garçom de uma cervejaria, a presidente de uma agência de publicidade e o último, que lembrava um velho poeta ripe. Todos os sete aguardavam, silenciosos, o início do julgamento.
O juiz bateu o martelo. A advogada de defesa se pôs de pé. O promotor fez o mesmo. Ela, uma mulher bonita de trinta e dois anos, ruiva e extremamente elegante; ele, um homem de cinquenta anos, dono de um volumoso par de sobrancelhas, de um queixo protuberante e de um olhar duro, que tornava explícito seu temperamento intolerante.
—Vamos começar!... —berrou o juiz. Sua voz soava como o estampido incômodo de um sino grande e barulhento. —Tragam o réu!...
As duas folhas da grande porta de madeira se abriram. Dois policiais fortes e muito bem armados surgiram das sombras do corredor e se posicionaram em cada um dos lados da porta. Muitos sussurros ecoaram pela grande sala quando o réu finalmente emergiu da escuridão, escoltado por outros dois policiais igualmente fortes.
Era um homem visivelmente musculoso e muito alto. Realmente muito alto. Perto dele, os policiais pareciam frágeis. Seu rosto carregava cicatrizes profundas e uma beleza inexplicavelmente rude. Seus cabelos eram escuros e escorriam pela nuca em um penteado molhado. Seus olhos eram negros, tão negros que se tornava difícil distinguir qualquer emoção neles.
Os policiais agarraram o réu pelos braços e o escoltaram com uma violência aparentemente exagerada, ou ao menos foi o que tentaram fazer. Homens como aquele só iam onde queriam, quando queriam. Vagarosamente, ele caminhou pelo corredor íngreme, desceu dois pequenos lances de escada e se acomodou ao lado de sua advogada. A mulher tocou carinhosamente sua mão.
—Vai acabar tudo bem. —disse ela, e ele percebeu no mesmo instante que ela estava mentindo. Não havia como aquilo acabar bem, ele sabia.
Mas a mulher era sua amiga, afinal. Fora mais que isso no passado. Estava apenas tentando animá-lo, mas nunca fora muito boa com mentiras, o que era realmente estranho para uma advogada. A maior dádiva de Elizabete Andrade (ou Izy, como gostava de ser chamada) era sua honestidade. Ela jamais mentia, jamais se alterava, jamais fazia sermões desnecessários. Se o réu era culpado, ela dizia: ele é culpado. Se o réu era inocente, ela provava. Tamanha honestidade, associada a uma voz que sabia ser, ao mesmo tempo, afiada como uma navalha e macia como um chumaço de algodão, tinha o poder de subjugar qualquer jurado.
—Diga seu nome! —decretou o juiz.
—Jonathan Stein. —respondeu o réu, e sua voz realmente não poderia pertencer à outra pessoa.
—Idade?
—Trinta e nove anos.
O réu olhou por um momento para a segunda fileira de bancos, logo atrás da cadeira do promotor. Sua ex-esposa o observava. Era a primeira vez que ele a encontrava em seis anos. Ela estava mais linda do que nunca: os cabelos escuros flutuando sobre os ombros firmes em cachos escuros e macios e os olhos verdes contrastando com a pele parda e brilhosa. Era uma visão do céu no meio de todo aquele caos.
Miriam era simplesmente fabulosa. Da primeira vez que ele a vira, ficara extasiado. Seu mundo parou. Sem se dar conta, prendera o ar por mais tempo do que um ser humano em estado normal seria capaz. A mulher conseguia ter o corpo escultural de uma stripper de primeira linha e a delicadeza de uma bibliotecária, tudo ao mesmo tempo. Era linda, inteligente, sensual, atraente como a chama de uma vela na escuridão. E ela não fazia qualquer esforço para ser daquele jeito. Pelo contrário, era algo espontâneo, natural, como um patinador experiente sobre o gelo, como uma borboleta batendo suas asas contra o vento. O êxtase não diminuíra com tempo. Jonathan percebeu, no mesmo instante em que a vira, que ainda a amava. Ele a observou com um olhar ainda afetuoso; ela retribuiu com olhos cheios de ira e indignação.
—Réu primário? —perguntou o juiz.
—Não. —respondeu Jonathan Stein.
—Diga aos jurados pelo que foi condenado da primeira vez!
—Assalto à mão armada.
—Quantos anos permaneceu na prisão?
—Quatro.
—Quantos anos sua filha tinha quando foi preso?
—Seis.
Algo na voz do juiz já gritava: Culpado!
—Há quanto tempo deixou a cadeia?
—Seis meses.
—Cometeu algum crime desde que foi solto?
—Não.
—É lógico que brigas em bares, cinco delas por sinal, não constam como crime para você.
—Não quando eu não as provoco.
Se o promotor estivesse fazendo as perguntas, a advogada certamente gritaria em protesto, mas naquela situação não havia o que fazer. E o Juiz Maximiliam Dorta não tinha a fama de ser muito imparcial.
—Matou alguém nesses seis meses? —perguntou o juiz, arcando as sobrancelhas.
—Não, senhor.
—Espancou alguém.
—Uns dois ou três cretinos.
—Certo. —respondeu o juiz, satisfeito. —Vamos começar!
—Poderia tentar não ser tão sincero? —perguntou a advogada, a seu cliente, num sussurro irritado.
—Isso tudo é desnecessário. —respondeu Jonathan Stein. —Você sabe disso.
Ele tinha razão, a advogada sabia, mas precisavam dançar conforme a música se quisessem que o plano funcionasse.
O Juiz bateu o martelo três vezes.
—Senhor Stein, pela acusação de raptar sua filha, Joseline, o senhor se considera?
—Culpado. —respondeu o réu, secamente.
Um grande alvoroço explodiu pela gigantesca sala do tribunal. O juiz bateu o martelo com mais força e a multidão se acalmou.
—E pala acusação de homicídio, cometido contra a vida de sua filha, Joseline Stein, determinada pelo inquérito policial devido às inúmeras provas colhidas em seu automóvel, o senhor se considera?
—Culpado. —respondeu o réu, em um tom de voz alto, áspero e gelado, no qual sua própria dor não seria notada. —De certa forma, eu sou culpado. —concluiu ele, mas dessa vez sua voz não foi além de um sussurro e soou carregada de uma tristeza seca e afiada.
Rompeu-se um alvoroço como há décadas não se via naquele lugar, que só parou quando o cabo do martelo de madeira do enérgico Juiz se partiu. A afirmação pegara todos de surpresa, já que nem mesmo a morte da pequena Joseline Stein fora provada sem que persistissem inúmeras dúvidas. Nem mesmo o corpo da menina fora encontrado. Apenas manchas de sangue foram descobertas pelos peritos no banco do carro que o pai dirigia quando pedia socorro em uma cidade próxima ao local onde o suposto assassinato ocorrera.
O juiz Maximiliam Dorta ergueu seus olhinhos de raposa e suspirou.
—Vamos acabar logo com isso!... Chamo a primeira testemunha!
Shao Yong, dono de um dos bares citados anteriormente.
—Ele fez muita bagunça! —afirmou o sujeito asiático, com um sotaque carregado. —Ele bateu em muita gente.
—Ele lhe pareceu um homem violento? —perguntou o promotor, com sua voz de ex-fuzileiro.
—Muito violento e com um temperamento muito explosivo. Afinal era uma briga.
— ...E por que ele bateu em tantas pessoas? —perguntou a advogada, na sua vez.
—Ora, acho que porque elas bateram nele primeiro.
—E quem ganhou a briga?
—Ora, foi o senhor Stein, certamente. Ele venceu uns cinco.
E assim foi neutralizada a primeira testemunha, e os jurados começavam a simpatizar com o réu. A segunda testemunha era outro dono de bar. A terceira também. A advogada os neutralizou com o mesmo discurso de autodefesa, que, aliás, funcionou muito bem. O promotor poderia ter se engajado se quisesse, mas não o fez.
Um pequeno recesso e, então, outra testemunha, dessa vez um agente penitenciário que narrou o espancamento de um dos presos durante a pena que Jonathan Stein cumprira na prisão estadual.
— ...Ele se mostrou violento. —perguntou o promotor.
—Sim, senhor. Muito violento.
— ...E ele começou a briga? —perguntou a advogada, na sua vez.
—Não senhora. –respondeu o guarda.
— ...E ele ganhou a briga com facilidade? —perguntou o promotor.
—Sim, senhor. —respondeu o agente. —Ele derrubou o sujeito com um só soco.
—E ele parou de bater quando o sujeito já estava caído?
—Não, senhor. Ele continuou batendo, e batendo, e batendo!...
Mais duas testemunhas descreveram, sob juramento, o temperamento instável e a dificuldade de convívio em sociedade do réu. Izy percebeu que não conseguiria mais apagar a impressão de descontrole e instabilidade emocional de Jonathan Stein e aquilo servira apenas para atestar o motivo pelo qual a mãe afastou a filha do próprio pai. O pior ainda estava por vir e era o testemunho da própria ex-esposa.
Miriam subiu o pequeno degrau do banco das testemunhas com muita dificuldade, pois estava evidentemente em ruínas. Mesmo assim, Jonathan percebeu, pelo olhar fulminante da ex-mulher, que ela o destruiria.
—Diga seu nome! —disse o Juiz.
—Mirian Vargas.
—Tem algum grau de parentesco com o réu?
—Não! –a resposta dela foi seca e enérgica, quase violenta, e Jonathan pode sentir toda a satisfação que existia naquela única palavra.
—Já teve algum parentesco?
—Já.
—Já se chamou Miriam Stein?
—Já!... Infelizmente!...
Jonathan abaixou a cabeça. Aquilo o machucava como um pontapé no estômago.
—Entrego a palavra ao promotor. —disse o juiz, satisfeito com o tom de voz da testemunha.
Oliver Dias ergueu o corpo robusto da cadeira e levantou os olhos elétricos na direção da testemunha.
—Srta. Vargas, há quanto tempo não via seu ex-marido pessoalmente?
—Há cerca de seis anos.
—Desde o dia em que ele foi preso?
—Não.
—Foi antes disso?
—Sim. Eu o abandonei um ano antes disso.
—E por que o abandonou?
—Por várias razões.
A resposta foi mais evasiva do que o esperado, e o promotor se apressou em corrigir a pergunta.
—Podemos dizer que seu marido bebia?
—Sim. Ele bebia muito.
—E podemos dizer que, além de beber, seu marido se drogava?
—Sim.
—Que tipo de drogas?
—Todas.
—Maconha, certamente?
—Não muita.
—Cocaína?
—Muita.
—Anfetaminas?
—Muitas delas! Realmente, uma quantidade enorme!
—Anfetaminas são famosas por deixarem os usuários violentos, não são?
—Creio que sim.
—E seu ex-marido era violento?
—Muito.
—Ele a agrediu alguma vez?
—Algumas.
—Gravemente?
—Na maioria das vezes, não. Mas houve uma vez...
Ela parou para respirar e engolir o nó que se formara em sua garganta.
—Houve uma vez... —concluiu o promotor. —que ele a mandou para o hospital?
Foi mais uma afirmação que uma pergunta.
—Sim.
—E você permaneceu no hospital por quase duas semanas?
—Sim.
—Quanto tempo levou para se recuperar dos ferimentos?
—Ainda não me recuperei totalmente. Sinto dores incomodas o tempo todo.
—E você ainda carrega um coagulo na cabeça, abaixo do crânio?
—Sim. Não há mais risco algum, mas... Sim.
—E isso foi há seis anos?
—Sim.
—Seu marido parecia bêbado ou drogado quando a espancou?
—Não.
—Então podemos dizer que as drogas não são mais que uma desculpa para seu temperamento violento?
Izy se preparou para protestar.
—Negado. —berrou o juiz, antes mesmo de a advogada abrir a boca.
—Seu ex-marido espancou sua filha alguma vez? —prosseguiu o promotor.
—Não.
—Mas você temia que isso pudesse acontecer?
—Sim.
—Então você fugiu para a casa de um parente distante, não foi isso?
—Exato.
O promotor se inclinou perigosamente.
—Acha que seu marido matou sua filha?
—Não sei. Ele mesmo confessou, há pouco. Mas...
O promotor cortou a testemunha.
—Sem mais perguntas. Acho que já ouvimos o bastante.
Oliver Dias voltou para sua cadeira. Izy se ergueu, disposta a fuzilar o testemunho da ex-esposa de seu cliente, embora não soubesse ainda como fazê-lo. Jonathan apenas segurou a mão de sua advogada e meneou levemente a cabeça.
—Não. —sussurrou ele.
—O que você está fazendo? —perguntou a advogada, irritada, mas desistiu de argumentar quando percebeu o estado do amigo. Não era algo que se percebia em um primeiro olhar, mas ela o conhecia bem.
O juiz parecia confuso.
—Não quer se defender das acusações de sua ex-mulher?
—Ela foi honesta em cada palavra. —afirmou Jonathan Stein, e sua voz grave ecoou pela sala como o som melancólico de um trovão muito distante. – Em cada palavra...
Pela primeira vez até então, a ex-esposa o observou sem qualquer vestígio de ódio em seus olhos, embora a mágoa ainda estivesse lá.
—Nós éramos muito jovens quando nos conhecemos. —afirmou o réu, e todos se silenciaram. —Morávamos no mesmo bairro, um bairro difícil, perigoso. Não conhecíamos nada do mundo. Isso explica como uma mulher como ela pôde se apaixonar por um homem como eu. Eu a amava, de verdade, mas, em todos os anos em que ficamos juntos, tudo o que fiz foi magoá-la. Sinto muito! Por tudo!
Mirian pulou do banco das testemunhas, cruzou o corredor apressadamente e disparou porta a fora como um raio. Jonathan Stein abaixou a cabeça. Teve de encontrar forças dentro de si para não segui-la. Seria baleado se tentasse, certamente.
Toda a educação que Jonathan Stein recebera quando criança fora aquela que se aprende nas ruas com pessoas que vestem gorros escuros, carregam pistolas semiautomáticas e se movem em becos sombrios quando nem as câmeras do centro nem os olhos atentos dos poucos policiais que ainda vagam pela madrugada podem identificá-los. De dia, ele dormia; à noite, trabalhava. Por isso sua pele era tão branca, já que o sol dificilmente o encontrava. A grade curricular de Jonathan Stein e de outros como ele era composta por cinco matérias básicas: como usar todo o tipo de armas, desde as mais modernas até aquelas aposentadas pelo exército; como desarmar alarmes sem fazer barulho e destravar portas de automóveis pelo lado de fora em quinze segundos; como vender drogas sem se colocar em risco; como ultrapassar qualquer barreira humana ou inventada pelo homem; por último, e mais importante: como espancar pessoas. E ele era muito bom nisso.
É verdade que quase nunca batera em mulheres. Em geral, Jonathan batia na ex-esposa em duas situações: quando ela ligava para o dono de um carro roubado indicando o local onde poderia recuperá-lo e ele passava por herói ao devolver, contra sua própria vontade, um carro que ele próprio havia roubado; segundo, quando ela jogava algum pacote de cocaína ou anfetaminas pelo ralo da descarga. De modo geral, um tapa sem muita força surgia durante uma discussão acalorada. Jonathan não se sentia mais homem por isso, mas também não sentia vontade de chorar. A esposa apenas chorava por horas a fio, mas sempre o perdoava porque o amava demais. Mas houve um dia em especial no qual a ex-esposa delatara um de seus sócios às autoridades, e um negócio de desmanche de carros que envolvia realmente muito dinheiro fora completamente desfeito pela polícia. Não bastasse isso, era preciso acrescentar que o sócio em questão era um sujeito verdadeiramente perigoso, e a situação toda o colocava em problemas realmente sérios. Naquele dia, em especial, suas mãos pareciam mais pesadas, e ele perdeu o controle de seus músculos. A esposa era muito menor do que ele. Aliás, qualquer pessoa sobre a face da terra era muito menor do que ele. O resultado acabou se tornando mais grave do que Jonathan Stein poderia esperar, e daquela vez a esposa não o perdoou, e fugiu, após passar um bom tempo no hospital. A ele, coube apenas a árdua tarefa de admitir o que sempre fora: um covarde!
Nos meses que passou sozinho com a filha, Jonathan Stein aprendeu a entendê-la, a amá-la mais que a sua própria vida, e enxergou o poço profundo no qual havia mergulhado. Tudo tarde demais. Quando a esposa fugiu, levando consigo a filha de quatro anos, Jonathan Stein simplesmente desmoronou. Não conseguia encontrá-las, por mais que tentasse, e acabou se tornando um ladrão de bancos descuidado. E o fim de ladrões de bancos descuidados é quase sempre o mesmo: o hospital, o necrotério ou a prisão. Ele enfim acabou preso, e sua esposa pôde respirar aliviada por quatro anos.
Quando saiu da cadeia, Jonathan Stein descobriu que perdera todo e qualquer direito sobre a filha. Sua esposa não permitia qualquer aproximação, e a polícia foi acionada três vezes em menos de duas semanas. Os policiais da cidade adoravam Jonathan Stein. Gostavam tanto dele que ele recebeu uma surra das bravas pelos velhos tempos e foi lançado dentro de uma fossa cheia de merda. Mas ele não desistiu. Queria passar algum tempo com a filha, queria provar que se tornara um homem decente, uma pessoa melhor. Trabalhava agora como mecânico e era um dos bons. A habilidade nata para desmontar carros acabara se tornando útil, quem diria? Ele estava melhorando e sabia disso, mas esbarrou na intolerância da esposa. Não a culpava. Como poderia esperar que ela o perdoasse depois de tudo? Apenas a filha conseguira. Ela era a única coisa que lhe dava forças para continuar sua vida miserável, a única pessoa de quem não poderia se afastar, mesmo se quisesse.
Jonathan Stein nunca teve a intenção de raptar a filha realmente. O que a esposa e o promotor chamavam de “rapto” deveria ser apenas um passeio de final de semana. Ele queria passar alguns dias, apenas alguns míseros dias, ao lado da filha, e a menina partira por livre e espontânea vontade. Depois daquilo, devolveria a filha à mãe para sempre. Eles o mandariam para a cadeira por mais oito anos, mas valeria a pena. Por um final de semana com sua filha, cumpriria sem questionar cada segundo atrás das grades.
Ele precisava de um lugar tranquilo, sem muita presença policial. No seu primeiro ano de cadeia, Jonathan ouvira boatos sobre uma cidade muito bonita a oeste. De tão pequena, nem um nome certo ela tinha: alguns a chamavam de Cidade Dourada, outros de Vale de Ouro, outros apenas de Crepúsculo. Se bem que alguns a chamavam de Cidade Esquecida ou Cidade do Silêncio. Seu nome oficial, conforme lhe constava, era "Serena". Jonathan gostava da ideia. Aqueles seriam dias mágicos, e eles precisavam de um lugar mágico. Em seu velho carro, partiram rumo ao horizonte, em direção ao anoitecer. Como poderiam imaginar que aquela cidade havia se transformado em algo completamente diferente?
—A defesa tem alguma testemunha? —perguntou o juiz, após um recesso de duas horas, com o martelo em punho. Estava preparado para acabar com tudo o mais rápido possível. Homens que batiam nas esposas eram algo que ele não admitia, tampouco qualquer um no júri.
—A defesa chama o delegado Yuri Barbosa. —respondeu a advogada.
—Quem? –perguntou o juiz. —Essa testemunha não consta nos autos...
—Nós só conseguimos convencê-lo a testemunhar ontem, meritíssimo.
O promotor se ergueu.
—Meritíssimo, pelo que me consta, o delegado Yuri Barbosa não tem qualquer ligação com o sequestro da menina.
—Mas tem ligação com o caso. –retrucou Izy.
O juiz bateu o martelo para evitar uma contenda entre os advogados.
—Já chega!... Vamos ouvir a testemunha! —declarou ele, mais por curiosidade que por imparcialidade.
Yuri Barbosa poderia ser um homem na casa dos cinquenta, forte, com um maxilar protuberante e um chapéu branco enfiado na cabeça, vestindo o uniforme bege da polícia, mastigando fumo enquanto o distintivo em forma de estrela reluz junto ao peito. Um Clint Eastwood, quem sabe (o de “fora da lei” seria perfeito), talvez um Tommy Lee Jones. Até um Josh Brolin serviria. Se estivessem em uma daquelas séries policias de TV, o homem certamente seria assim. E era assim que os jurados, em sua expectativa de amantes de histórias policias, o imaginavam e, graças a isso, observavam apreensivos a porta, esperando a entrada triunfal da testemunha inesperada. Mal perceberam que a testemunha já se dirigia a seu respectivo lugar, e que se tratava de um sujeito baixo, magricela, calvo como um ovo e muito jovem. Seus olhos eram de um azul esbranquiçado, e suas sobrancelhas não passavam de vestígios de pelos que na verdade nunca existiram. Vestia um terno marrom aparentemente muito largo que lembrava o uniforme extinto de algum colégio interno dos anos cinquenta, e não tinha realmente nenhum senso de moda.
—Aí está você. —afirmou a advogada, e os jurados abandonaram a porta e observaram, decepcionados, o banco das testemunhas. –Delegado!
—Srta. Elizabete!
—Meritíssimo, ainda não compreendo a relevância dessa testemunha. —afirmou o promotor.
—Nem eu. —admitiu o juiz.
—Mas vão entender. —afirmou a advogada.
—Pois bem, Srta. Andrade, pode continuar.
—Obrigada, meritíssimo!
Izy caminhou até o banco reservado aos jurados e observou seus rostos. Estavam realmente assustados com a personalidade violenta do réu, ela mesma ainda se assustava às vezes, mas pareciam bastante curiosos com a nova testemunha. Chegava a hora de fazer o que sabia fazer melhor: contar a verdade. Mesmo que a verdade, naquele caso, soasse como algo inventado, quase uma daquelas ficções trashs vagabundas dos anos oitenta.
—Meritíssimo!... Senhores e senhoras do júri!... O que vemos hoje, neste tribunal, não pode nos enganar. O réu tem se mostrado um homem de temperamento instável? Sim. Ele é culpado por espancar sua ex-esposa e por bater em algumas pessoas até fazê-las desmaiar? Sim. Mas eu pergunto a cada um aqui presente: “pelo que o estamos julgando hoje?”. Pelos crimes que aqui foram lembrados e pelos quais ele já pagou, pelas batalhas quase diárias de sobrevivência que o réu travava na prisão, ou por brigas de bar? Não! Nós o estamos julgando pelo assassinato de sua filha. Ele foi precipitado e até mesmo idiota ao levar a menina para uma viagem sem o consentimento da mãe? Sim. Mas a questão é: esse homem aqui sentado matou realmente a pequena Joseline Stein, sua própria filha? Há qualquer prova concreta disso? E, eu bem sei, os senhores conhecem suficientemente bem o código penal para saber que a simples presença de manchas de sangue no banco de um carro não comprova um homicídio. Para que tenhamos um homicídio, precisamos de algo que o indique como irrefutável. Precisamos do corpo. E eu lhes pergunto: Onde está o corpo da pequena Joseline Stein? A alguma certeza, alguma prova, por menor que seja, de que a menina esteja realmente morta? Não. Por isso eu peço a atenção de cada um de vocês ao que esse homem está prestes a relatar.
A advogada caminhou até o banco das testemunhas e prosseguiu:
—Delegado Barbosa, foi você o responsável pela prisão de Jonathan Stein?
—Sim.
—E por que o prendeu?
—Porque divulgaram a denúncia de que ele havia sequestrado a filha?
—E o senhor encontrou a menina?
—Não.
—Mas encontrou sangue da criança no carro que o réu dirigia?
—Na verdade, os peritos encontraram.
—E só havia sangue da menina no carro?
—Não. A maior parte do sangue no carro era do próprio réu. Realmente muito sangue.
—E o carro pertencia ao réu?
—Não.
—Era um carro alugado?
—Tampouco.
—Pode descrever ao júri que carro o réu dirigia quando chegou a sua cidade?
—Era um carro policial.
—Uma viatura?
—Sim. Mais precisamente, um carro blindado, usado por esquadrões de combate, com chapas de aço de quatro polegadas e telas protegendo os vidros blindados.
A advogada caminhou até sua mesa e puxou uma fotografia de quarenta centímetros de dentro de uma pasta. Na verdade, eram duas fotografias, apesar de ninguém ter percebido a segunda.
—Era um carro como esse? —perguntou ela, exibindo a foto de uma viatura ao juiz e depois aos jurados.
—Sim. Era idêntico a esse.
Era um daqueles veículos robustos, cujo projetista não decidira se queria um carro do tamanho de um caminhão ou um caminhão do tamanho de um carro e então optara pelos dois. Só a fotografia já parecia pesada, e os olhos de pelo menos dois dos jurados se iluminaram com a ideia de dirigir um negócio daqueles.
—Delegado, qual era o estado do carro quando o réu desembarcou?
—Eu diria que ele estava completamente destruído.
—Por uma batida, talvez?
—Não me pareceu uma batida.
—E o que parecia?
—O carro estava repleto de rombos gigantescos na lataria. Lembravam grandes arranhões, só que de uma profundidade incrível. E a sirene foi arrancada, assim como boa parte do capô.
—Pode reconhecer o carro? —perguntou a advogada, revelando a segunda fotografia, que espalhou sussurros assombrados pelo tribunal.
A palavra “destruído” era pouco para descrever aquilo. O veículo quase fora virado do avesso.
—Sim. Era esse o carro. —afirmou o delegado. —E foi assim que nós o encontramos.
—Está certo disso?
—Sim.
A advogada observou a face gélida do juiz e suspirou. Se ele não havia gostado do começo, o que não acharia do final?
—Pode descrever ao júri o momento da chegada do réu em sua cidade? —perguntou a advogada, ao delegado.
—Claro! Bem, ele causou um grande alvoroço. Parou aquela viatura destruída bem no meio da praça e começou a gritar. Suas roupas estavam rasgadas, e ele sangrava muito.
—Você disse que ele estava gritando. Algo em particular?
—Segundo as testemunhas, ele pediu ajuda para salvar a filha.
—Ajuda para salvar a filha?
—Sim. Nossa cidade é muito pequena, temos pouco mais de trinta mil habitantes, e as pessoas não estão acostumadas com coisas desse tipo. Os moradores ficaram bastante assustados. O réu desmaiou e nós o levamos para o hospital. Ele estava realmente muito ferido.
—Pode descrever ao júri esses ferimentos?
—Pareciam arranhões.
—Arranhões? Como arranhões de cães ou outros animais?
—Não, pareciam marcas de mãos humanas. Cinco dedos. Mas eram tão profundos quanto cortes de faca. E ele foi mordido uma vez, no ombro.
—E como era essa mordida?
Os olhos do delegado lacrimejaram como os de alguém contando uma história de terror em volta de uma fogueira.
—Horrível. –respondeu ele. —Muito profunda, atingiu os ossos. Eu nunca vi nada igual. Mas parecia... Humana. Só que...
—Sim...?
—O diâmetro da mordida era gigantesco, algo realmente muito estranho, e até o médico admitiu não fazer ideia do que se tratava.
—Pode contar ao júri quantos pontos cirúrgicos o réu tomou no hospital de sua cidade, por favor?
—Segundo o médico responsável, novecentos e quarenta e oito pontos. Foi sorte ele não ter morrido.
Uma confusão de sussurros e vozes assustadas encheu o tribunal. O juiz não bateu o martelo, na verdade permaneceu imóvel, simplesmente congelado, observando, sem acreditar, a face do homem no banco das testemunhas.
—O réu permaneceu quanto tempo em sua cidade? –perguntou a advogada, quando a multidão se acalmou.
—Cinco semanas, sobre custódia no hospital. Então foi transferido.
—E, quando chegou à cidade, ele disse alguma coisa antes de desmaiar? Algo estranho?
—Ele falou sobre uma cidade destruída e disse que coisas tinham levado sua filha.
—Coisas? E o que eram essas coisas?
—Eram pessoas, mas... Não eram pessoas.
—Então o que eram exatamente?
—Isso ele não soube explicar.
O promotor saltou de sua cadeira e tomou o interrogatório sem que ninguém lhe desse a palavra. Mas aquilo já não era um julgamento, era um circo.
—Meritíssimo, acho que temos razões óbvias para acreditar que essas pessoas estão manipulando o julgamento. Estão desviando a atenção da personalidade agressiva do réu e lançando sobre todos aqui presentes uma história arbitrária, inconsistente e imaginativa. Delegado, se a história do réu foi tão convincente, você deve ter enviado alguns de seus homens para investigá-la, não é verdade?
—Sim, eu enviei alguns deles.
—E o que eles disseram?
—Não disseram nada.
—Eu sabia! —berrou o promotor, como quem consegue um xeque numa partida muito longa. —Porque não havia nada a ser dito.
—Não. —retrucou o delegado, calmamente. —Porque eles não voltaram.
Novamente uma explosão de sussurros assustados invadiu o tribunal.
—Como assim não voltaram?
—No dia seguinte à chegada do réu, eu enviei uma viatura com dois homens à cidade descrita. Passaram-se dois dias, e eles não retornaram para casa. Eu enviei mais duas viaturas, alguns dias depois, com oito homens ao todo. Isso há quase seis semanas. Eles também não voltaram.
—E você não buscou reforços?
—Busquei sim. Mas acho que o Estado e o Exército acharam minha história bastante engraçada. Não consegui apoio, ainda.
—E você esteve nessa cidade? —perguntou o promotor. —Pisou nela?
—Não. Eu não pus meus pés naquele lugar.
—Por quê?
—Porque não queria ir até lá sozinho, e mais nenhum de meus policiais quis me acompanhar. Estavam assustados. Todos estávamos.
—Céus! —berrou o promotor, irado. —Do que exatamente você está falando?
—Da lenda. Aquela cidade sempre foi um lugar estranho. Bonito, simples, mas mesmo assim estranho. Pessoas, principalmente mendigos e moradores de rua de cidades vizinhas, sempre desapareciam misteriosamente quando se aproximavam daquele lugar. Há uns três anos, a cidade simplesmente sumiu do mapa. O vale fica a duzentos quilômetros de nossa cidade. Aliás, ele fica a duzentos quilômetros de qualquer coisa. Sempre foi um local isolado, mas, de três anos para cá, ninguém sequer teve notícias. Então, muitas pessoas começaram a desaparecer: entregadores, vendedores, viajantes. Todos que tinham a cidade em seu trajeto simplesmente sumiam. Há três anos, ninguém traz uma só notícia daquele lugar. Então as histórias começaram. Boatos, mitos. Alguns falam de uma cidade onde as pessoas nunca adormecem e nunca despertam.
—Nunca adormecem e nunca despertam? —perguntou o promotor, imaginando se era o único a achar aquilo engraçado.
—Eles a chamam de “a cidade dos sonâmbulos”.
Jonathan Stein estremeceu. Aquele nome trouxe à tona lembranças recentes, lembranças que ele desejava muito esquecer. O ferimento em seu ombro latejou. E ele ainda podia ouvir os gritos, em sua mente, quando ouvia aquele nome.
—O réu não foi o primeiro a se queixar daquela cidade em minha delegacia. Muitas pessoas já relataram coisas parecidas.
—Você deve reconhecer que o que está dizendo é muito estranho. —afirmou o juiz.
—Sei disso melhor que ninguém. —respondeu o delegado. —Por isso demorei tanto para aceitar fazer parte desse julgamento. Mas é a mais pura verdade. E é necessário fazer algo a respeito de tudo isso, mas do que nunca.
—Como assim? --perguntou o juiz, tentando compreender a última frase.
—Alguém precisa fazer algo. E rápido. O que quer que esteja acontecendo naquela cidade está se espalhando. Como eu disse antes, nossa cidade é a coisa mais próxima daquele lugar. E, nas últimas semanas, vários moradores de nossa cidade alegam ter visto coisas estranhas, à noite, na floresta que separa as duas cidades. Algo como animais gigantescos e muito rápidos, mas... Mas algumas pessoas juram que eram humanos.
Um grande silêncio se espalhou pelo tribunal. O juiz Maximiliam Dorta encarou a face do delegado por um longo tempo, tentando decidir se o homem era um louco ou um charlatão. Nos fundos dos olhos do sujeito albino, tudo o que o juiz conseguiu identificar foi medo. Realmente muito medo. Só havia um explicação: ele estava sendo enganado, como todos ali. Ou seria algo pior?
—Tudo bem! Têm algo mais a acrescentar, delegado?
—Não.
—Então, está dispensado.
—Obrigado, meritíssimo!
A testemunha caminhou lentamente até seu lugar e se acomodou. Todos permaneciam calados.
—Srta. Andrade. –disse o juiz, esfregando os olhos cansados. —Eu devo admitir que, seja lá o que pretendia fazer com este julgamento, certamente conseguiu.
—Tudo o que eu pretendia com o depoimento do delegado era provar a veracidade e acrescentar algum crédito ao depoimento aparentemente fantasioso da minha próxima testemunha.
—Próxima testemunha? —perguntou o juiz, atônito. —Não acho que podemos continuar com...
A advogada ergueu um par de olhos faiscantes.
—A defesa convoca Jonathan Stein!