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Décima Primeira Parte

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Capítulo 66

 

Quando Amanda despertou, tudo estava diferente. Ela tinha uma vaga lembrança de ser arrastada novamente pelo corredor, mas era uma lembrança desagradável e apagada, como um sonho ruim. Mas ali estava ela, em um quarto maior e mais aconchegante. Era o quarto do seguro saúde, que quase chegava a ser confortável.

 

A primeira coisa que Amanda percebeu foram suas costas úmidas e pegajosas. Quase havia esquecido daquela parte, aquele sangramento descomunal e persistente que a atormentaria sabe-se lá por quanto tempo. Da primeira vez, fora quase um mês. Mas ela se sentia bem. Seu corpo doía inteiro, mas era uma dor suportável, nem mesmo um resquício do que ela havia enfrentado horas antes. Aliviada, Amanda fez um grande esforço para despertar completamente e observou melhor o quarto.

 

Por um momento, Amanda pensou que aquilofosseapenas um sonho. Eric estava no sofá, alimentando um bebê muito pequeno com uma mamadeira minúscula que mais parecia de brinquedo.

–O que houve? –perguntou Amanda, tentando encaixar as ideias. Era difícil.

–A maternidade está uma confusão. –respondeu o noivo. –Chegaram mais duas mulheres. Um bebê morreu, ao que parece, e a mãe está mal. As enfermeiras estão muito ocupadas, e ele estava gritando de fome, então arranjei um pouco de leite na enfermaria.

–Mas o que ele está fazendo aqui?

Eric deu de ombros.

–Hospitais.

Aquilo respondia tudo, ela tinha de admitir.

 

Só Amanda sabia o quanto o noivo odiava aquela criança, o quanto aquela criaturinha o feria com sua simples presença, ainda assim Eric esperou o bebê esvaziar a mamadeira e ainda o colocou para arrotar, antes de soltá-lo no berço. Fizera tudo aquilo de forma mecânica, sem um uma só gota de ternura, mas, ainda assim, o fizera. Aquele era o homem pelo qual ela havia se apaixonado.

 

Eric observou o menino no berço por um longo tempo. Amanda pensou em perguntar como ele era, mas se conteve. Não era uma boa pergunta a ser feita, não naquele momento e certamente não ao noivo. Mas Eric parecia ter lido a sua mente e disse:

–Ele tem os olhos do pai.

Os dois se calaram por algum tempo, pensativos, até que o noivo finalmente se despregou da imagem da criaturinha no berço.

–Eu tenho de ir. –disse ele.

Não, ele não precisava ir. Não trabalharia até o dia seguinte, mas dividir o quarto com aquele bebê era insuportável para ele, Amanda sabia, então concordou.

–Falei com Melina no corredor. Ela vai aparecer por aqui quando tiver um tempo. Vai levar o bebê. Você vai ficar bem?

–Tudo bem. –concordou Amanda. –Pode ir.

Eric partiu. Não lhe deu um beijo, não olhou para ela. Não queria mais perder tempo ali. “Ele tem os olhos do pai”. O que, afinal, aquilo significava? Amanda lutou para conter a curiosidade, lutou para ignorar tudo aquilo, aquela presença a poucos passos de distância, mas não conseguiu, então se levantou com cuidado da cama e caminhou até o berço, com as pernas escorrendo sangue.

E ali estava ele. Era diferente de tudo o que ela poderia imaginar: em suma, apenas um bebê absurdamente normal: fofinho, delicado, com os olhinhos curiosos de quem não está entendendo muita coisa. Era delicado demais, não devia ter nem dois quilos. Mas como era bonito: pele clara, cabelos loiros, boquinha rosada. Os olhos certamente não eram os olhos do pai: tinham uma cor bastante parecida, era verdade, o mesmo azul escuro e opaco, mas o brilho de crueldade não estava ali, Amanda percebeu no mesmo instante. Era apenas um bebê normal, que acabara de conhecer o mundo que seria tão cruel com ele.

A porta se abriu. Melina entrou completamente esbaforida. Tivera um dia muito cheio, era possível perceber, e estava elétrica como uma lâmpada.

–Ah, Amanda, nos perdoe por isso. –pediu ela.

–O que aconteceu? –perguntou Amanda.

A médica arrancou o menino do berço como quem apanha um pacote de arroz, com todo o jeito de uma profissional que sabe o que faz, mas sem nenhum afeto. As pessoas não gostavam daquela criança e não conseguiam disfarçar.

–O conselho deveria ter apanhado o garoto, mas tiveram um problema. –respondeu a médica, enquanto acomodava o recém-nascido no ombro.

 

O menino parecia satisfeito com o aconchego, mesmo sendo um colo tão frio.

–Problema? Que problema?

–O orfanato para o qual ele iria o recusou.

–E eles podem fazer isso?

–Aparentemente não. Mesmo assim, fizeram. Mas o conselho encontrou uma vaga em um orfanato na cidade vizinha e já estão vindo buscar o menino. Ele vai ficar bem, eu garanto. Não se preocupe com nada.

 

A médica partiu. Amanda observou o bebê se afastando sem poder fazer nada. Os olhinhos curiosos a observavam sem compreender. Era muito pequeno, mas era esperto e muito vivo.

 

Haviam arrancado um pedaço dela, era essa a sensação. Amanda tentou lutar contra aquele sentimento, mas foi em vão. Havia um buraco em seu estômago, como se um projétil de uma daquelas metralhadoras gigantes tivesse acabado de atravessar seu abdômen. Era um vazio que quase superava a dor pela qual havia passado, um vazio que começava a crescer como uma bola de neve. Ela ficou ali, parada, de pé, sem saber mais o que fazer. 

 

 

Capítulo 67

 

As semanas seguintes foram difíceis para Amanda. Aquela sensação desagradável não a deixava em paz, o desconforto extremo de saber que algo, algo importante, estava faltando em seu próprio corpo, como um recém-amputado que geme desesperadamente por um braço ou uma perna que já não estão lá. Por fim, a ausência se transformou em algo físico, uma dor aguda que não podia ser localizada, mas que fazia seu corpo rejeitar a si próprio. Ela já não conseguia comer ou dormir e tentava convencer a si mesma de que aquilo seria passageiro.

Os dias se arrastavam, lentos e sem cor. Amanda realmente tentou lutar contra aquilo, mas era como lutar contra uma daquelas cercas de espinhos, doloroso e inútil. Ela se recuperou muito rápido fisicamente, mas nem isso a alentava. Passadas duas semanas desde o parto, o noivo a levou para passear nas montanhas. Não adiantou. Eles foram a jantares, a uma viagem numa balsa e até a uma festa bastante animada, mas tudo era muito sem graça e desbotado.

O mundo era cinza, e não havia mais esperança alguma nele. Eric já não sabia mais o que fazer. Ainda tentou jantares com alguns amigos de quem Amanda gostava muito, uma noite no boliche, que ela sempre adorara, e todos os seus filmes prediletos. Nem Casablanca, que ele, aliás, sempre detestara mas que agora assistia de bom grado, conseguiu arrancar da noiva um único suspiro. E mais uma semana se foi.

 

Naquela manhã, quando Eric foi trabalhar, encontrou a noiva sentada próxima à janela, observando o nascer do sol. Ela passara outra noite em claro. Ele já não entendia a razão de tudo aquilo, tinha medo de nunca mais conseguir fazê-la feliz, mas ainda acreditava que tudo acabaria bem. Afinal, eles haviam feito a única coisa que poderiam fazer. Mas Eric acordou estranho naquela manhã. Uma sensação desagradável se agarrara a seu corpo como um punhado de sanguessugas. Quando beijou a noiva no rosto, ela estava gelada, apesar do calor que fazia dentro de casa. Seria um sinal? Mas um sinal do quê? Amanda continuava observando o horizonte, alheia a tudo, e não olhou para ele nem uma vez.

–Vai dar tudo certo. –disse ele, já sem muita certeza.

–Eu sei. –respondeu Amanda.

Eric partiu para mais um plantão ingrato de vinte e quatro horas. Ela ainda ficou ali, por um longo tempo. Não tinha forças para mais nada. Em certo momento, ouviu batidas à porta. Seu pai estava ali, esperando ser convidado para entrar. Ela o atendeu.

–Eu trouxe o almoço. –disse o homem, com duas sacolas na mão.

–Almoço? –interrogou Amanda. Estava muito cedo para o almoço. Se ela reparasse no relógio, iria perceber que já passava do meio-dia, mas estava alheia demais a tudo. O homem colocou uma bandeja em cada lado da mesa e ajeitou os talheres de plástico: gostava muito de talheres de plástico, especialmente porque não precisavam ser lavados.

–É prático. –afirmou o pai, com um sorriso maroto.

Amanda não o ouviu. Aliás, ela nem sentira o cheiro da comida.

–Eu quero perguntar uma coisa. –disse ela.

–Eu sei sobre o que você quer falar. –respondeu o pai. –Mas não sei se devemos. Não sei se fará bem. E seu noivo não vai gostar.

–Por favor...–pediu Amanda. –Eu eu só preciso de um conselho. Me diga: o que eu devo fazer!

 

O homem suspirou e refletiu. Quando falou, sua voz saiu segura, sóbria.

–Escute, filha, essa dor que você está sentindo, esse vazio, não vai passar. Você tem uma decisão difícil pela frente. Independentemente de sua escolha, haverá perda. Mas você não precisa que eu lhe diga o que fazer. Você já sabe o que fazer.

Amanda encarou o rosto do pai. Banhado pela luz do sol, o homem ainda tinha um resquício de beleza escondido debaixo das marcas do tempo e do descuido. E ele estava certo: sim, ela sabia o que precisava fazer.

 

 

Capítulo 68

 

Foi quase sem razão que Marcos Hasse apanhou o jornal naquela manhã e o folheou. O papel estava borrado e ligeiramente amassado. Sua esposa estava ao telefone, conversando com uma de suas novas amigas da faculdade. Margaret resolvera voltar a estudar, depois de tantos anos. Jornalismo... Para o bem ou para o mal, era algo realmente desafiador para alguém que passara os últimos trinta anos de sua vida sendo dona de casa e mãe. Aliás, a esposa era muito boa em ambas as coisas, mas precisava de mais. Marcos não reclamou. Tinha mais sossego daquele jeito, menos uma voz em casa durante boa parte do dia, e isso lhe agradava.

Os jornais velhos estavam todos sobre a mesinha de vidro da sala porque a esposa estava abrindo espaço nas gavetas da estante para guardar seu material de estudo, uma quantidade absurda de apostilas e livros.

Marcos folheava os jornais sem muita vontade, como quem realmente não tem muito mais a fazer. E o que aconteceu em seguida parecia um milagre.  

Em um dos jornais, de apenas algumas semanas antes, uma notícia lhe saltou aos olhos. Sua face se iluminou. Não era alegria, era mais uma espécie de repentina necessidade.

–Logo quando achamos que tudo está acabado, surge uma fagulha de esperança.

–Do que é que você está falando agora? –perguntou a esposa, interrompendo, por alguns segundos, a conversa ao telefone.

–Um milagre. –respondeu Marcos.

Margaret o ignorou. Era difícil acompanhar o pensamento do Marido nos últimos tempos. Marcos subiu até o escritório, apanhou sua arma e partiu. Quando cruzou com a filha caçula, deixou escapar um sorriso débil. A menina estranhou aquele sentimento inesperado e repentino.

–Está tudo bem, pai? –perguntou ela.

–Ainda não, filha. –respondeu Marcos, alheio. –Mas, em breve, tudo estará bem mais uma vez.

Caroline observou o pai se afastando sem compreender uma só palavra. Era tudo vago demais. Mas aquele semblante a assustara de verdade. Se havia um vulto de alegria nele, uma alegria fria e sádica, também havia uma boa dose do velho ódio.

–Mãe, você sabe para onde o papai foi? –perguntou a menina.

–Não faço ideia. –respondeu a mãe. Havia acabado de soltar o telefone. –Está difícil entender seu pai ultimamente. Você sabe disso.

–Eu sei. –respondeu a menina.

 

 

Capítulo 69

 

O orfanato ficava em uma das cidades vizinhas. Visto de fora, parecia apenas uma casa comum de família de tamanho médio, simples e aconchegante. Dentro dela, porém, tudo era muito rápido e confuso. Duas ou três freiras e alguns voluntários se esforçavam para tornar a vida de todas aquelas crianças um pouco menos cruel. E havia crianças de todas as idades ali, dos mais pequenos aos adolescentes.

Amanda parou na recepção. Uma das voluntárias a atendeu.

–Pois não, senhora.

–O bebê, onde está? –perguntou Amanda.

Nem se dera conta de como a referência soava confusa.

–Qual deles, senhora?

–Um menino. Foi trazido para cá recém-nascido, há quase um mês.

Pela expressão da mulher, Amanda percebeu que ela sabia quem a criança era.

–Você é a mãe?

–Sim.

–Não pode...

As palavras da mulher esbarraram no vento. Amanda entrou sem ser convidado, apesar dos protestos, e vasculhou alguns quartos. Encontrou o berçário na terceira tentativa. Não demorou muito para encontrar o bebê, largado sobre um dos colchões. Ela o reconheceria em qualquer lugar. Ele estava maior, mais gordinho. Se não fosse ingenuidade, Amanda seria capaz de apostar que ele também a havia reconhecido.

O quarto estava lotado de bebês, todos muito pequenos, amontoados uns sobre os outros como um bando de caranguejos em uma panela quente. Havia uns trinta deles ali. As almas bondosas que cuidavam daquele lugar faziam certamente o melhor que podiam com o pouco que tinham, mas o resultado, ainda assim, era de assustar. Não havia esperança para nenhuma daquelas crianças, muito menos para o filho de um psicopata sádico.

Amanda sabia que aquilo era loucura. Havia um misto de alegria e desespero em seu rosto. Precisava decidir rápido.

–Deus! –gemeu ela.

O menino a observava curioso. Como era esperto! Então, em um movimento decidido, Amanda arrancou o filho do berço e o levou embora.

–Não pode fazer isso. –disse a mulher da recepção. –Você assinou os papeis.

–Rasgue! –grunhiu Amanda, sem dar atenção, e partiu.

 

Capítulo 70

 

Na casa dos Hasses, Caroline Hasse continuava desconfiada. Podia sentir que algo muito ruim estava para acontecer, mas o quê? A mãe estava distraída lendo um de seus novos livros, com uma xícara de café fumegante ao lado da poltrona. Só havia silêncio na sala, na casa.  Até a rua estava silenciosa. Por quê, afinal, o pai estaria daquele jeito, ela se perguntava sem parar. Tentava descobrir a fonte de tudo aquilo.

A resposta veio em uma espécie de instinto.  Ela nunca fora ingênua, apesar de muitos acharem o contrário. Sabia o que o pai havia feito com aquele homem, e aquilo tudo não parecia normal. A voz de David Wasser ressurgiu em seus ouvidos: "Fique de olho no seu velho para mim, tudo bem?".  Caroline sabia, há alguns anos da arma que o pai guardava no escritório, a arma assassina. Ele quase não saía mais com ela, mas na época em que a irmã morrera, antes de apanharem o assassino, a coisa era sua grande companheira. A garota subiu as escadas muito rápido, encontrou a caixa de madeira onde o pai guardava seu revólver e a abriu. Vazia! A sensação de terror aumentou, um frio de gelar a espinha.

–O que você vai fazer, pai? –perguntou ela, num sussurro, ao cômodo vazio. Ninguém respondeu.

Capítulo 71

 

Amanda não fazia nenhuma ideia prática de como cuidar de uma criança, mas havia se preparado muito para isso, três anos antes. Ela passou em uma loja especializada no caminho de casa e comprou algumas roupinhas de bebê que deviam servir. Pareciam bastante folgadas e confortáveis. Aproveitando o caminho, ela ainda comprou uma mamadeira e uma lata de preparado, já que seus peitos nunca haviam visto leite na vida. Comprou também a cestinha para carregar o menino no carro. Estava completamente sem dinheiro agora, mas não se importou.

O caminho de volta não era exatamente longo, mas o tempo pareceu se arrastar. Ela analisou o banco de trás umas cem vezes para garantir que tudo estava certo. Uma vez em casa, deu um banho quente no menino com muito cuidado e preparou uma mamadeira cheia. O garoto esvaziou a coisa com muito apetite. Comia como um leãozinho.  

Amanda analisou cada centímetro quadrado do filho: o rosto rosado, os dedinhos, as coxinhas grossas. Gostava da sensação. Naquele momento, como por instinto, ela decidiu que precisava se mudar para muito longe, para proteger aquela criança de todo o mal que a perseguiria. Pediria demissão no dia seguinte, prepararia tudo e partiria. Ela tinha algumas economias guardadas: não eram grande coisa, mas serviriam por alguns meses. Era um bom plano. Mas, antes disso, ela precisava respirar fundo e retomar o fôlego. Havia tempo, afinal. Ou, ao menos, era nisso que ela acreditava.

 

 

Capítulo 72

 

Quase três horas haviam se passado, mas, no orfanato, ainda havia uma grande confusão. Tudo graças à criança que havia sido levada. Uma das freiras conversava com um policial fardado. O sujeito estaria mais preocupado se a pessoa que havia levado o menino não fosse a própria mãe.

–Eu gostaria de saber sobre a criança que apareceu no jornal. –afirmou o recém-chegado, à jovem na recepção.

–Ah, você chegou tarde. –respondeu a garota, visivelmente cansada. Estava um tanto tonta com o que tinha acontecido. Ainda assim, não pode deixar de perceber que o homem era bonitão. Seria perfeito para ela, se fosse um pouco mais jovem. Nem precisava ser muito.

–Como assim? –perguntou o sujeito, como se não a enxergasse. Os olhos do homem a encararam, mas pareciam atravessar sua carne como se ela fosse apenas uma neblina fina no caminho.

–Você veio pela adoção, certo?

–Adoção? –perguntou o homem. Na verdade, não era exatamente uma pergunta, estava mais para uma palavra jogada ao vento.

–Eu sinto muito, mas você chegou tarde. A mãe o levou de volta. E não há muita coisa que possamos fazer. Afinal, ela é a mãe.

–A mãe o levou?

–Sim. Não é uma loucura. Eu não o levaria, mesmo se fosse a mãe. Você sabe quem é o pai daquele menino?

–Sim, eu sei. –respondeu Marcos Hasse, e partiu.

 

 

Capítulo 73

 

 Amanda ouviu a porta da casa se abrindo lentamente. Ainda estava no sofá, com o filho no colo. O garoto cochilava despreocupado. Era uma criaturinha perfeita.

–Eles me ligaram. –afirmou Eric, visivelmente atônito. –O que você fez?

 –Eu o trouxe de volta. –respondeu Amanda, sem coragem para encarar o noivo nos olhos.

Eric demorou um pouco para encaixar os fatos: Amanda trouxera o menino de volta. E para sempre, ao que parecia.

–E por que você fez isso? –perguntou ele. Recusava-se a aceitar o óbvio.

–Você sabe por quê. Não há volta.

Aquilo era o fim, pensou Amanda. Definitivamente, o fim. Mas o fim poderia ser um novo começo. E não era apenas uma questão de quem ela amava mais, era uma questão de quem precisava mais dela. Amanda observou o menino adormecido em seus braços. Era a escolha certa. Uma escolha difícil, que a esfolava viva, mas não deixava de ser o certo. Eric ficou ali, no meio da sala, flutuando no ar. Estava tonto. O relógio de parede movia seus ponteiros, mas o tempo parecia ter congelado. Então ele tomou fôlego e disse:

–Amanda, nós três...Isso não vai acontecer. Não há espaço o suficiente nesta casa, nesta cidade para essa criança, você consegue entender?... Você tem que escolher: o garoto, ou eu.

Amanda já tinha feito sua escolha.

–Adeus! –disse ela, sem olhar para o noivo. Tudo ficaria muito mais difícil se ela encarasse aqueles olhos, aquele rosto. Então, ela simplesmente permaneceu ali, imperturbável, esperando que o noivo partisse.

E ele partiu, trêmulo e cambaleante. Estava destruído. Mas Amanda não podia evitar aquilo. Nada daquilo fora culpa sua. Ela apenas não tinha escolha. O menino despertou, confuso. Seus olhos analisavam tudo o que viam com uma curiosidade impressionante. Amanda sorriu e o beijou. Estava com vontade de fazer aquilo desde que o apanhara no orfanato, mas só agora tivera coragem. Só então ela percebeu o quanto estava faminta. Mais do que isso, estava quase desmaiando de fome. Precisava se cuidar mais, daquele momento em diante. Agora, havia alguém que dependia dela.

Na falta de um berço, Amanda abriu o sofá cama, acomodou o menino e o cercou de travesseiros e almofadas. Ele estava confortável agora, olhando para o alto, curioso com o teto. Amanda ainda o observou por algum tempo, então foi preparar o almoço, ou café da tarde, ou jantar. Ainda não havia decidido. Da cozinha, podia enxergar o menino pelo espelho da sala. As mãozinhas examinavam algo importante no ar.

 

 

Capítulo 74

 

Caroline Hasse desceu as escadas. Novamente na sala, sentiu seu cérebro fervendo. Os pensamentos e conjecturas surgiam rápidos e disformes, dissolviam-se antes de assumir uma forma concreta. A mãe a observou curiosa.

–Está preocupada com seu pai, não é? –perguntou Margaret. –Não se preocupe, ele vai...

–Não é isso. –disse a menina. –Há algo errado.

–Mas o quê?

–Eu ainda não sei.

Foi então que a garota percebeu o jornal jogado no chão, um pouco afastado dos demais. Ela o apanhou e o folheou.

–Mãe, você precisa ver isso. –afirmou ela, assustada.

Margaret obedeceu. Era uma simples notícia, corriqueira e um tanto sensacionalista, pouco mais que um pequeno quadrado bem no meio do jornal. Nem título tinha. Dizia apenas: "Nasceu, ontem pela manhã, o filho do maníaco que matou vinte e duas mulheres e aterrorizou a cidade durante quase duas décadas. A criança foi levada a um dos orfanatos da região, em uma cidade vizinha. Segundo as autoridades responsáveis, o destino final ainda é incerto, mas o menino deve ser enviado para outro estado, para que o passado de atrocidades possa ser enfim esquecido. As chances de adoção são quase nulas. Que Deus abençoe a criança e dê paz à mãe violentada e às famílias das mulheres assassinadas!".

–Eu não entendo. –afirmou Margaret. –O que seu pai...?

–Mãe. –interrompeu Caroline, já com lágrimas nos olhos. –Ele levou o revólver.

Capítulo 75

 

Era apenas um vulto negro na paisagem ensolarada de fim de tarde. A brisa fria agitava levemente o casaco escuro. Ele estava diante da casa, imóvel como uma estátua, com a arma discreta na mão direita. Seus olhos vibravam sobre as paredes como se pudessem atravessá-las. De certa forma, realmente podiam. Por sorte ou azar, ninguém o viu. Mesmo se o vissem, não haveria tempo. O homem era uma sombra, uma miragem, um espectro.

 

 

Capítulo 76

 

–Tem certeza disso? –perguntou o delegado Carlos Dias, ao telefone.

Estava em sua sala. No outro lado da linha, Margaret encarou os olhos angustiados da filha.

–Sim, eu tenho. –respondeu ela. –E não é apenas isso. Carlos, ele levou o revólver.

–Não, não é possível. Você acha que ele poderia fazer algum mal àquele menino?

–Você não o viu nos últimos tempos. Eu não acho que ele poderia fazer mal àquela criança, eu tenho certeza.

 

O delegado desligou e discou para o orfanato. Ele mesmo havia acompanhado o conselho até lá e ainda tinha o número na cabeça

–Escute com atenção. –disse ele, assim que a recepcionistas atendeu. –Aqui quem fala é o delegado Carlos Dias, da delegacia geral. Quero que tire todas as crianças daí agora, principalmente os bebês de colo. É urgente. A preferência é o garoto que chegou aí há um mês.

–É impossível. –respondeu a mulher. –A mãe o levou para casa, no início da tarde.

–A mãe...?  Ela mora aqui, em nossa cidade.

–Sim, eu sei. Nós avisamos o conselho, mas eles disseram que não podem fazer muita coisa porque, afinal, ela é a mãe.      

–Tudo bem. Agora, eu quero que me escute com atenção. Um homem talvez apareça por aí, procurando pelo garoto. Talvez já tenha estado aí. Ele é alto, forte, cabelos pretos, curtos. Tem mais ou menos cinquenta anos.

–Ele esteve aqui. Há uns quarenta minutos, no máximo.

–Por favor, diga que não passou nenhuma informação!

–Eu só falei que a mãe havia levado o bebê.

–Merda! –berrou o delegado, furioso. –Você sabe o que fez?

–Não, eu não estou entendendo. –respondeu a mulher, nervosa.

–Sabe quem era o pai daquele garoto?

–Sim, eu soube. O homem que fez aquelas coisas horríveis.

–Exato! Digamos que o homem para quem você deu a informação era o pai de uma das mulheres assassinadas.

–Não pode ser. –respondeu a mulher. Estava chorando agora. –O que eu posso fazer para ajudar?

–Agora? Nada. –grunhiu o delegado, e desligou o telefone.

Fora duro com a mulher, mas não era com ela que estava realmente irritado. Como pudera ser tão irresponsável? Não deveria ter deixado Marcos solto. Não era mais seu velho amigo. Um homem capaz de fazer o que ele havia feito com o assassino não estava bem. Não podia estar. O delegado correu para a sala de operações e passou o alerta.

–Emergência! –berrou ele, com a meia dúzia de policiais que trabalhavam em suas mesas. –Rua Delta, número vinte e seis! Corram para lá e passem o aviso no rádio: polícia militar, esquadrões especiais, paramédicos, guarda municipal, todos!

Os policiais partiram em meio minuto. Carlos Dias sentiu uma tontura forte e teve de se segurar em uma das mesas para não cair. Aquilo tudo era sua culpa. 

Capítulo 77

 

Eric estava em sua viatura, no banco do passageiro, mais uma vez ao lado de Bernardo. O parceiro de tantos anos tentava animá-lo.

-Tenho certeza que, com tempo, vocês vão achar uma forma.

 –Não. –respondeu Eric.–Se você ouvisse a voz dela. Ela estava decidida.

–Ela não quer abandonar o garoto. Vocês podem resolver isso juntos, podem achar alguém para cuidar do menino, uma boa família. Ela vai mudar de ideia.

–Ela não quer uma família. Eu estou dizendo, ela quer ficar com ele. E você adotaria aquele menino, se tivesse a chance?

Bernardo engoliu as palavras. Não, ele não adotaria uma criança como aquela. Havia uma boa chance de o garoto puxar ao pai, e a ideia de dividir a mesma casa com alguém que fatia pessoas em pedaços era de arrepiar.

–Eu sabia que ele não devia ter nascido. –concluiu Eric. –Sabia que os médicos deviam ter dado um jeito quando tiveram a chance.

 –Mas você sabe que o garoto não tem culpa, não sabe?

Eric fungou de raiva e esfregou os olhos cansados.

–Claro que eu sei... Mas eu não consigo evitar a raiva, eu...

O rádio chiou, e a voz abafada surgiu em seguida.

–Todas as unidades livres: rua delta, número vinte e seis...Agora! É uma emergência. Possível agressor armado.

Os dois policiais se olharam.

–É a sua casa. –afirmou Bernardo. –Mas o que está acontecendo?

Eles estavam apenas a algumas quadras de distância.

–Eu não sei. –respondeu Eric. Seu rosto se dissolveu em um borrão de medo e preocupação. Ele partiu, a pé, completamente alucinado. Era mais rápido daquele jeito. Bastava pegar alguns atalhos por dentro das casas.

"O menino", Eric chegou a pensar, enquanto corria. O menino era realmente perigoso. O menino queria matar a mãe. Ele afastou o pensamento rapidamente. A ideia era, obviamente, idiota. O menino era pequeno demais para representar qualquer perigo, ao menos se... Sim, ao menos se na verdade fosse ele quem estivesse em perigo. Fazia sentido. Muitas pessoas o odiavam, mesmo que indiretamente. E Amanda, ela não deixaria nada acontecer com o garoto, não se pudesse impedir.

Eric acelerou ainda mais. Seus pulmões queimavam, e seu ombro doía de forma lacerante. Sua saúde, aliás, não era mais a mesma desde que tomara aquele tiro, nunca mais seria a mesma. Bernardo havia manobrado o carro e já acelerava, mas pelas ruas ele demoraria demais. Eric cortou por dentro de mais um lote cercado, saltou outro muro, e já podia ver sua casa no fim da rua. Ainda assim, estava longe demais. 

Capítulo 78

 

A vasilha explodiu em uma dezena de pedaços. Amanda congelou. Da cozinha, podia enxergar o vulto escuro refletido no espelho da sala. Estava ali, de pé, parado ao lado do sofá, observando o bebê. “Ele voltou”, foi o único pensamento que passou por sua mente naquele momento. No fundo, ela sabia que a ideia não fazia sentido, mas o medo deixava tudo muito confuso. E havia a figura sinistra que não desaparecia: aquilo não era uma miragem, não era um pesadelo, estava ali de verdade. Lentamente, na ponta dos pés, ela caminhou até a sala. A figura sem forma, pouco a pouco, ganhou um rosto.

–Você? –perguntou Amanda, quando reconheceu o invasor. –O que está fazendo aqui?

Não houve resposta. O homem permaneceu ali, de pé. O bebê esticava as mãozinhas, tentando alcançar o intruso. Estava curioso com a novidade.

–O que faz aqui? –perguntou Amanda novamente, dessa vez com mais força.

Mais uma vez, não houve resposta. O homem não movia um só músculo. Com exceção do leve movimento do casaco comprido, efeito da brisa de fim de tarde que atravessa a janela, o homem passaria facilmente por uma fotografia, mas seus olhos vibravam sobre a criança como se encarasse algo dentro de si, algo perigoso. Os olhos, aliás, pareciam mais vivos que o dono. Amanda se aproximou um pouco mais e gelou ao perceber o revólver na mão do intruso.

–Por favor, afaste-se dele! –pediu ela, lutando para manter a calma.

Sua voz não surtia efeito algum sobre o homem, o que só fazia aumentar o desespero. Amanda ergueu as mãos e se aproximou mais um passo. Não queria assustar o homem ou provocar uma reação repentina.

–Por favor... Afaste-se, dele! –pediu ela, novamente.

Sua voz agora soava uma oitava mais baixa, como a voz de alguém que fala com uma criança.

–Ele tem os olhos do pai. –afirmou Marcos, por fim. Mas não falava com Amanda. Não de verdade.

–Ele não tem pai... –retrucou Amanda, com indignação. –Ele não tem pai... Agora, por favor, afaste-se dele!

Marcos se afastou, mas não tanto quanto Amanda gostaria. Parou diante da janela, enquanto o sol, pouco a pouco, era tragado pelo horizonte. Era bonita, apesar de tudo, a forma como as cores se dissolviam em um borrão avermelhado. O sol, o céu e o horizonte eram uma só coisa naquele momento. E foi nisso que Marcos pensou quando disse:

–É estranho!...

–O quê? –perguntou Amanda, confusa.

–Saber que tudo o que vemos, tudo, é uma ilusão. A vida é poeira. No fundo, não passamos de uma farsa.

Era estranho, mas Amanda compreendia o significado daquelas palavras, cada uma delas. Podia sentir a dor do homem em sua voz. Mas soube, naquele momento, que ele não sairia dali sem puxar o gatilho.

Marcos se virou. Seus olhos caíram novamente sobre o bebê, que parecia alheio ao perigo. Apenas a luz do sol atraía sua atenção. Era bonito para ele também.

–Por favor! –disse Amanda. –Ele não tem culpa.

–Não é uma questão de culpa. –respondeu Marcos. –É uma questão de justiça. Pura e simplesmente, justiça.

–Por favor! –implorou Amanda, pela última vez. Sua voz, daquela vez, soou acompanhada do choro seco. –Tem de haver um jeito.

Marcos também chorava, mas sua face permanecia estática e fria, assim como sua voz. Ele fechou os olhos por um momento. Quando voltou a abri-los, não viu um bebê sobre a estampa verde do sofá, viu o corpo esquartejado da filha.

-É tarde demais! –disse ele, antes de levantar a arma em um movimento lento e decidido. –Isso precisa acabar!

 

           Poucas coisas na face da terra poderiam percorrer aqueles poucos metros com a velocidade com a qual Amanda o fizera. O som familiar de tijolos se chocando se espalhou pela casa, o disparo seco do revólver. Então outro som se ergueu acima do primeiro: um som fino e magoado. O bebê chorava, pela primeira vez desde o parto. Era uma criatura introspectiva, calada, de olhos investigativos. Mas algo o assustara daquela vez. E não fora apenas o som estalado e alto da arma. O que o assustara fora o som mais baixo mais muito mais assustador, o gemido seco e curto da mãe quando a bala a golpeou.

Amanda estivera à beira da morte uma vez, mas aquilo era diferente, a sensação estranha e desagradável de sentir o próprio coração parando. O projétil, no início pouco mais doloroso que um soco, agora queimava em seu peito, arrancava soluços de dor. Ela não conseguiu evitar o choro. O fôlego se esvaía de seu peito.

Ela realmente não queria morrer. Não podia morrer. Não naquele momento, não depois de tudo. A mão que tocara o ferimento, num puro reflexo, voltara tingida de sangue. Um sangue espantosamente vermelho. "Não há inocentes", ela lembrou. Enfim, ele vencera. De uma forma ou de outra, ela sabia, ele venceria no fim. Amanda desabou, enquanto o mundo a sua volta girava. Do chão, ainda implorou uma última vez a Marcos.

–Deixe-o em paz!... Por favor!...

 

Marcos abaixou a arma, que já escapulia entre seus dedos. Observava a garota caída, o corpo empastado pelo próprio sangue. Por um instante, foi Isabela que ele enxergou ali, estendida sobre o chão frio. Nunca havia percebido como as duas eram parecidas, Amanda e a filha. Como podiam ser tão parecidas? Não, não era ela quem deveria morrer. Ninguém mais deveria morrer. Ele desviou os olhos para o bebê, que gritava inconformado. Tão pequeno! Tão indefeso! Marcos olhou para as próprias mãos. Não, não podia ser. A pólvora assassina marcava a pele. Era um sinal. Ele havia feito aquilo.

Anestesiado, Marcos caminhou, de costas, até esbarrar na parede. Mal se dera conta dos policiais que já o seguravam, segundos depois.Eric atravessou a porta como um raio, correu na direção da noiva e a arrancou do chão. Era inútil, ele sabia. Chegara tarde daquela vez.

–Vai ficar tudo bem! –ele mentiu.

Amanda se agitava. Estava desesperada. A voz fraca sussurrava, sem parar, a mesma frase.

–Ele está chorando!... Ele está chorando!... Ele está chorando!...

Eric não sabia o que fazer. Vê-la sofrendo, daquele jeito, era insuportavelmente doloroso.

–Eu cuido dele. –disse, ele.

As palavras tinham duplo sentido, ele percebeu tarde demais.           Não, não foi o que ele quis dizer. Ele cuidaria do bebê até ele parar de chorar, então outras pessoas viriam e assumiriam tudo. Mas Eric gelou diante dos olhos suplicantes de Amanda e foi obrigado e repetir as mesmas palavras, que agora assumiam um novo significado.

–Eu cuido dele! –disse ele, tentando esconder a dor que aquelas palavras provocavam.

Amanda levantou uma mão surpreendentemente fria e tocou o rosto do noivo. Estava mais calma agora, embora os soluços de dor continuassem sacudindo seu corpo de momento em momento. Eric beijou os dedos ensanguentados. Amanda encarou a face do noivo com carinho, mas o brilho em seus olhos durou apenas alguns poucos segundos, então se desfez em um completo vazio. Os tremores cessaram logo depois. Estava acabado.

O choro do bebê não cessava. Eric não sabia mais o que fazer. Mãos sem rosto arrancaram Amanda de seus braços. Eram os paramédicos. Ele não queria deixá-la partir. Agarrou a mão da noiva com força, mas o sangue a deixara escorregadia. Era um corpo sem vida, ele sabia. A poça no chão era a prova disso.Os homens a colocaram sobre uma maca e a ataram. Um deles tentava respiração boca a boca: o rosto do homem também ficou manchado de vermelho. Os paramédicos perceberam o sangue no chão e trocaram olhares.

–Vamos levá-la depressa! –gritou líder da equipe.Como bom profissional, não podia desistir, mas era apenas isso. Amanda já estava morta.

Mais pessoas surgiram.Carlos Dias observou, entristecido, a face apagada de Marcos Hasse.

–Levem-no daqui. –disse o delegado, com a voz engasgada.Não podia acreditar naquilo.

Os policiais partiram. Poucos segundos depois, os paramédicos fizeram o mesmo. O delegado também se fora, após lançar um olhar desconsolado para o bebê. Provavelmente partira atrás de alguém que soubesse como cuidar de um ser humano tão pequeno, já que ele próprio não fazia qualquer ideia.

Eric ficou ali, sozinho, de joelhos, com o choro do bebê em seus ouvidos. Zonzo, como alguém que acorda de uma longa noite de sono, ele ergueu o corpo pesado e caminhou até o sofá. A criaturinha se contorcia e se esganiçava. Parecia não entender o que se passava a sua volta. E ninguém lhe respondia.

Eric precisou de muita força para arrancar o bebê do sofá. Cambaleante, caminhou de costas alguns passos, até atingir a parede da sala, então despencou sobre as próprias pernas. Ali, sozinhos, ele embalou o bebê, enquanto seus lábios entoavam uma cantiga cuja letra ele nem mesmo se recordava. Mas foi o suficiente. O menino em seus braços se acalmou. Não era uma criança mimada, só precisava de uma voz para assegurar que estava tudo bem.

Ficaram os dois ali, na casa vazia, por um longo tempo, enquanto, no lado de fora, o sol se escondia no horizonte.      

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